23 DE AGOSTO DE 2016
(AMEB)
Ensina-nos o Dr. Bezerra de Menezes: “A vida, sob
qualquer aspecto considerado, é dádiva de Deus que ninguém pode perturbar.
Todos os seres sencientes desenvolvem um programa na escala da evolução
demandando a plenitude, a perfeição que lhes é meta final.
Preservar a vida, em todas as suas expressões é dever inalienável,
que assume a consciência humana no próprio desenvolvimento da sua
evolução.
Quando alguém levanta a clava para interromper propositalmente o ciclo da
vida, faz-se um novo Caim, jogando sobre si mesmo a condenação da
consciência de culpa e experimentando, no remorso, hoje ou mais tarde, a
necessidade de depurar-se, reabilitando-se, ao nadar nos rios das
lágrimas.”
Adolfo
Bezerra de Menezes Cavalcanti
Nascido na antiga Freguesia do Riacho do Sangue,
hoje Solonópole, no Ceará, aos 29 dias do mês de agosto de 1831,
desencarnou em 11 de abril de 1900 no estado do Rio de Janeiro.
A
Infância e a Família
Seu pai, Antônio Bezerra de Menezes, capitão das
antigas milícias e então tenente-coronel da Guarda Nacional, tinha fazendas
de criação de gado; sua mãe chamava-se Fabiana de Jesus Maria Bezerra e era
senhora do lar. Antônio era importante fazendeiro local que “nunca mediu
sacrifícios, na hora de socorrer àqueles que lhe estendiam a mão”. Tanta
generosidade acabou por levar sua fortuna material e em determinada altura
as dívidas alcançaram níveis insuportáveis.
Antônio foi então procurar cada um de seus
credores decidido a entregar seus bens para saldar as dívidas. Os credores,
contudo, reuniram-se e decidiram que o coronel Bezerra continuaria com seus
bens. Assinaram um documento que afirmava com força legal que o velho
Bezerra ficasse com eles e “que gozasse deles e pagasse como e quando
quisesse, que eles, credores, se sujeitariam aos prejuízos que pudessem
ter.” O velho Bezerra, contudo, não aceitou tal decisão.
Depois de muita discussão, resolveu que daquela
data em diante seria simplesmente um administrador dos bens para seus
credores. Retirava apenas o extremamente necessário para o sustento da
família e muitas vezes passou privações. A esta altura, o menino Adolfo,
último filho do casal, já estava terminando o então chamado curso
preparatório. Os dois filhos mais velhos tinham se formado em direito e o
terceiro ainda cursava o segundo ano na Faculdade de Direito de Olinda,
Pernambuco.
O pequeno Adolfo Bezerra de Menezes tinha sete
anos de idade quando foi levado pela mãe para ser matriculado na escola
pública da Vila do Frade. Em dez meses o menino aprendeu a ler, escrever e
fazer contas simples. Quatro anos depois, quando o pai estava sendo alvo de
perseguição política, a família mudou-se para o Rio Grande do Norte. O
pequeno Adolfo “foi matriculado na aula pública de latinidade, que
funcionava na Serra dos Martins e era dirigida por padres jesuítas” em
Maioridade, hoje cidade de Imperatriz. Após dois anos, o rapaz tornou-se
tão bom na matéria que chegou a substituir o professor.
Em 1846, o velho Bezerra voltou para a capital do
Ceará, onde o pequeno Adolfo foi matriculado no Liceu, que era dirigido
pelo seu irmão mais velho. Terminando seus estudos, mostrou a vontade de
ser médico, e não advogado como os irmãos. Como não havia faculdade de
medicina no Nordeste do país, o pai foi obrigado a mandá-lo para a então
sede da Corte, a cidade do Rio de Janeiro; contou-lhe tudo que havia
acontecido com os bens da família, explicando a pobreza por que passavam.
Os parentes cotizaram-se e levantaram quatrocentos mil réis para pagar a
viagem até o Rio. Foi assim que Adolfo Bezerra de Menezes pôde pegar o
navio e chegar na então sede do Império.
O
Sacerdócio na Medicina
Aos vinte e dois anos, ingressou como praticante
interno no Hospital da Santa Casa de Misericórdia. Doutorou- se em 1856
pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, defendendo a tese
"Diagnóstico do Cancro". Nessa altura abandonou o último
patronímico, passando a assinar apenas Adolfo Bezerra de Menezes.
Como não tinha dinheiro para montar um
consultório, entrou em acordo com um colega de faculdade que possuía mais
recursos e passou a dividir uma sala no centro comercial da cidade. Durante
os meses em que o consultório ficou aberto, quase não houve pacientes. Mas
a casa onde morava o médico Bezerra ficava repleta de doentes. Começou a
atender aos componentes da família e depois aos amigos. Sua fama correu
pelo bairro e os clientes apareciam; mas ninguém pagava, pois eram todos
gente pobre e o dinheiro nunca foi mencionado.
Foi então que um amigo e médico militar, Dr.
Manoel Feliciano Pereira de Carvalho, chefe do corpo de saúde do Exército,
resolveu contratá-lo como médico militar. Dr. Feliciano era chefe da
clínica cirúrgica do Hospital da Misericórdia, hospital este onde o Dr.
Bezerra tinha sido praticante e interno em 1852, quando ainda cursava o
segundo ano de faculdade. Ainda em 1856, o governo imperial fez a reforma
do Corpo de Saúde do Exército e nomeou o Dr. Feliciano como cirurgião-mor.
Ele, então, chamou Bezerra para ser seu assistente e foi assim que, com um
emprego remunerado estável, começou o caminho do médico dos pobres.
Bezerra continuava atendendo gratuitamente aqueles
que não podiam pagar. Sua fama continuava a se espalhar e o consultório do
centro da cidade começou a ficar movimentado, também com clientes que
pagavam. O dinheiro que recebia no consultório era gasto com os seus pobres
em remédios, roupas ou simplesmente auxílio em dinheiro.
Bezerra de Menezes tinha a função de médico no
mais elevado conceito, por isso, dizia ele: "Um médico não tem o
direito de terminar uma refeição, nem de perguntar se é longe ou perto,
quando um aflito qualquer lhe bate à porta. O que não acode por estar com
visitas, por ter trabalhado muito e achar- se fatigado, ou por ser alta
hora da noite, mau o caminho ou o tempo, ficar longe ou no morro, o que
sobretudo pede um carro a quem não tem com que pagar a receita, ou diz a
quem lhe chora à porta que procure outro – esse não é médico, é negociante
de medicina, que trabalha para recolher capital e juros dos gastos de
formatura. Esse é um desgraçado, que manda para outro o anjo da caridade
que lhe veio fazer uma visita e lhe trazia a única espórtula que podia
saciar a sede de riqueza do seu Espírito, a única que jamais se perderá nos
vaivens da vida."
O
Casamento e a Iniciação Política
Com a vida mais organizada, resolveu casar tendo
encontrado o amor na pessoa de D. Maria Cândida Lacerda; casaram-se em 6 de
novembro de 1858. Nesta época, tinha posição social: além de médico, era
jornalista, escrevendo para os principais jornais da cidade; no meio
militar era muito respeitado. Não demorou muito até que lhe oferecessem um
lugar na chapa de um partido para as eleições do Poder Legislativo.
D. Maria foi uma das maiores incentivadoras da
candidatura de Bezerra de Menezes. Os habitantes de São Cristóvão, bairro
onde morava e clinicava, também queriam tê-lo como representante na Câmara
Municipal; foi assim que em 1860 foi eleito por um grupo de São Cristóvão.
Mas houve uma tentativa de impugnar seu diploma sob o pretexto de que um
militar não poderia ser eleito. Bezerra teve então de escolher entre a
carreira militar e a política. Seguindo os conselhos de sua esposa,
renunciou à patente militar e abraçou a vida política de vez.
Contudo, o destino reservava-lhe uma difícil
provação para o ano de 1863. Depois de uma doença rápida e repentina, sua
esposa desencarnava em menos de vinte dias no outono deste ano. Deixava o
marido com dois filhos: um com três anos e outro com um ano de idade.
O golpe da viuvez moveu os sentimentos religiosos
que a dor sempre traz à tona. Em busca de consolação, Dr. Bezerra passou a
ler a Bíblia com freqüência. Verificava a expansão vertical que a dor
oferece às almas dos que sofrem, ligando-os a Deus.
Re-Conhecendo
Doutrina Espírita
No mundo, o Espiritismo estava a se expandir. Em
1869 desencarnava Allan Kardec em Paris, deixando consolidada para a
humanidade a Codificação Espírita. As idéias de Kardec eram revolucionárias
e atraíam a atenção de sérios investigadores e cientistas mundo afora.
Desencarnado o Codificador, restava a Obra a arregimentar novos
espíritas.
No Brasil, principalmente na Capital, a cidade de
São Sebastião do Rio de Janeiro, as influências européias modificavam a
vida local. A homeopatia popularizava-se aos poucos, principalmente nos
meios espíritas. Teve como um dos seus primeiros experimentadores o
baluarte da República José Bonifácio de Andrada e Silva; “Desde 1818, o
Brasil principiara a ouvir falar da homeopatia. O Patriarca da
Independência correspondia-se com Hahnemann”, o criador da Homeopatia. Como
médico, as discussões sobre a terapêutica homeopática também interessaram
ao Dr. Bezerra de Menezes e notícias de curas creditadas a essa terapêutica
chegaram a seus ouvidos.
O Dr. Carlos Travassos havia empreendido a
primeira tradução das obras de Allan Kardec e levara a bom termo a versão
portuguesa de "O Livro dos Espíritos". Logo que esse livro saiu
do prelo levou um exemplar ao deputado Bezerra de Menezes, entregando- o
com dedicatória. O episódio foi descrito do seguinte modo pelo futuro
Médico dos Pobres: "Deu- mo na cidade e eu morava na Tijuca, a uma
hora de viagem de bonde. Embarquei com o livro e, como não tinha distração
para a longa viagem, disse comigo: ora, adeus! Não hei de ir para o inferno
por ler isto… Depois, é ridículo confessar- me ignorante desta filosofia,
quando tenho estudado todas as escolas filosóficas. Pensando assim, abri o
livro e prendi- me a ele, como acontecera com a Bíblia. Lia. Mas não
encontrava nada que fosse novo para meu Espírito. Entretanto, tudo aquilo
era novo para mim!… Eu já tinha lido ou ouvido tudo o que se achava no
"O Livro dos Espíritos". Preocupei- me seriamente com este fato
maravilhoso e a mim mesmo dizia: parece que eu era espírita inconsciente,
ou, mesmo como se diz vulgarmente, de nascença".
Medicina
e Espiritismo
A Doutrina Espírita difundia-se, em muito ajudada
pelas práticas de médicos homeopatas e espíritas, que passaram a prestar a
Caridade também através de sua mediunidade . Um desses médicos era João
Gonçalves do Nascimento ; muitos colegas de Bezerra de Menezes falavam das
curas operadas através deste médium e tanto falaram que um dia Bezerra
resolveu pedir-lhe uma receita enviando um pedaço de papel que dizia:
“Adolfo, tantos anos, residente na Tijuca”). Logo recebeu uma resposta com
o diagnóstico correto de seu problema de estômago.
Ficou tão impressionado que resolveu pedir
receitas também para pessoas que apresentavam problemas psíquicos — a
loucura foi uma das áreas que Dr. Bezerra mais estudou. Acompanhou o
desenvolvimento do tratamento em seus pacientes e depois de simplesmente
assistir aos trabalhos desobsessivos, resolveu participar ativamente nesse
tipo de tratamento. Na visão da Doutrina Espírita, os portadores de doenças
psíquicas são pessoas que podem apresentar problemas mentais devido às
causas biológicas detectáveis pela ciência humana e também devido à
influência de espíritos de desencarnados, também doentes.
Segundo
Casamento e a Carreira Política
Em 1864, Bezerra foi reeleito vereador e casou-se
com D. Cândida Augusta de Lacerda Machado , irmã materna da sua primeira
esposa. Com ela, sua esposa até o leito de morte, teve sete filhos.
Deu continuidade à sua carreira política. Em 1867
foi aclamado e eleito deputado geral. Em 1878 foi reeleito deputado,
tornou-se presidente da Câmara Municipal (correspondente ao atual cargo de
Prefeito Municipal) e líder do seu partido, permanecendo no cargo até 1881.
Manteve diversas lutas políticas, sendo conhecido como homem público que
não comprometia seus princípios para colher favores ou posições.
A exemplo do que ocorre com todos os políticos
honestos, uma torrente de injúrias que cobriu o seu nome de impropérios.
Entretanto, a prova da pureza da sua alma deu- se quando, abandonando a
vida pública, foi viver para os pobres, onde houvesse um mal a combater,
levando ao aflito o conforto de sua palavra de bondade, o recurso da
ciência de médico e o auxílio da sua bolsa minguada e generosa.
Desviado interinamente da atividade política e
dedicando- se a empreendimentos empresariais, criou a Companhia de Estrada
de Ferro Macaé a Campos, na então província do Rio de Janeiro. Depois,
empenhou- se na construção da via férrea de S. Antônio de Pádua, etapa
necessária ao seu desejo, não concretizado, de levá-la até o Rio Doce. Era
um dos diretores da Companhia Arquitetônica que, em 1872, abriu o
"Boulevard 28 de Setembro", no então bairro de Vila Isabel, cujo
topônimo prestava homenagem à Princesa Isabel. Em 1875, era presidente da
Companhia Carril de S. Cristóvão.
Retornando à política, foi eleito vereador em
1876, exercendo o mandato até 1880. Foi ainda presidente da Câmara e
Deputado Geral pela Província do Rio de Janeiro, no ano de 1880.
A
Organização do Movimento Espírita
O amor e dedicação de Bezerra pela Doutrina
Espírita deram bons frutos e ele veio a exercer papel fundamental no
Movimento Espírita brasileiro. Nessa época o Espiritismo no Brasil buscava
organizar-se: em 1876 surgia a primeira sociedade espírita no Rio de
Janeiro; em 1883, Augusto Elias da Silva , interessado na difusão dos
ensinos espíritas, fundava a revista O Reformador e punha-se a procurar
colaboradores.
O espiritismo sofria perseguições e era combatido
veementemente. A imprensa era fonte diária de críticas ferozes; os sermões
enchiam os púlpitos de insultos e insinuações contra a Doutrina. Elias da
Silva foi então buscar em Bezerra de Menezes conselhos sobre como revidar
toda a animosidade contra o Movimento Espírita. A resposta dada pelo Dr.
Bezerra foi o de não seguir o caminho do ataque, de não combater o ódio com
o ódio, mas antes combater o ódio com o amor . A tônica deste conselho
norteou toda a vida e o trabalho de Bezerra, dentro e fora do Movimento
Espírita brasileiro.
Pela
Unificação do Movimento Espírita
Em 1883, reinava um ambiente francamente
dispersivo no seio do Espiritismo brasileiro e os que dirigiam os núcleos
espíritas do Rio de Janeiro sentiam a necessidade de uma união mais bem
estruturada e que, por isso mesmo, se tornasse mais indestrutível.
A cisão era profunda entre os chamados
"místicos" e "científicos", ou seja, espíritas que
aceitavam o Espiritismo em seu aspecto religioso, e os que o aceitavam
simplesmente pelo lado científico e filosófico.
No dia 27 de dezembro de 1883, Augusto Elias da
Silva faz uma reunião com os 12 companheiros que o ajudavam no REFORMADOR.
Nesse encontro, eles decidem fundar uma nova instituição, que não fosse nem
mística, nem científica, deveria ser ideologicamente neutra.
Assim, no dia 1° de janeiro de 1884 foi fundada a
Federação Espírita Brasileira (FEB), que promoveria a doutrinação, a
disciplina e o intercâmbio de experiências entre os diversos centros já
existentes. Bezerra foi um dos primeiros a ser convidado para assumir a posição
de presidente da organização, mas não aceitou por não se considerar capaz
de tamanha responsabilidade. Seu primeiro presidente foi o Marechal Ewerton
Quadros e o REFORMADOR torna-se o órgão oficial da FEB.
Em 1887, o Médico dos Pobres passou a escrever uma
série chamada “Espiritismo — Estudos Filosóficos”, que saía aos domingos no
jornal “O País ”, com o pseudônimo de Max . Vale lembrar que na época esse
era o jornal mais lido no Brasil. Continuaria a série de artigos até o
Natal de 1894. Escreveria depois, com o mesmo pseudônimo, em outros dois
jornais sempre em defesa dos postulados do Cristo Jesus, calcado na visão
espírita.
Em 1888, logo no início da série de artigos, Dr.
Bezerra perdeu dois filhos. Reagiu e continuou trabalhando. Durante cinco
anos, escreveu sobre a Doutrina, elucidou muitas pessoas e arrebanhou
outras tantas para as fileiras espíritas.
Em 1889, o Marechal Ewerton Quadros foi
transferido para Goiás, ficando impossibilitado de permanecer à frente da
FEB.
Para seu lugar, foi eleito o famoso médico e
deputado Adolfo Bezerra de Menezes, que, há cerca de três anos, havia
chocado a sociedade carioca com a sua conversão ao Espiritismo. A intenção
dos febianos era colocar um elemento de grande prestígio e força moral na
presidência, a fim de fortalecer o processo de unificação.
Em 1889, o Dr. Bezerra tornou-se presidente da
Federação Espírita, onde tentou a todo custo promover a união de todos os
espíritas, inspirado principalmente por mensagem ditada mediunicamente por
Allan Kardec em janeiro do mesmo ano, através do médium Frederico Júnior ,
chamada “Instruções de Allan Kardec aos Espíritas do Brasil”.
Bezerra lutou muito para apaziguar as diferenças
dentro do meio espírita e tinha como objetivo promover uma liderança que
abrigasse todos os espíritas do Brasil. Quanto mais aumentavam as
dissensões, mais aumentava também seu esforço e trabalho.
Na falta de pregadores espíritas cristãos, assumiu
ele mesmo a função. Iniciou uma sessão semanal na Federação para o estudo
de O Livro dos Espíritos no dia 23 de maio de 1889 e os resultados obtidos
foram os melhores possíveis, com o grande número de pessoas que lá
compareciam.
Além disto, realizava conferências e reuniões em
uma casa espírita chamada União. Em outra casa chamada “Centro”, que ele
mesmo fundara para promover o estudo do Evangelho e de O Livro dos
Espíritos, tentava conciliar as diferentes correntes de pensamento
espírita. E ainda em um outro grupo, participava dos trabalhos de
desobsessão.
A mensagem “Instruções”, de Kardec, fornecia
as diretrizes para o trabalho do Dr. Bezerra . A certa altura Kardec
pergunta: “Onde está a escola de médiuns?” e esse ponto ficou gravado na
mente de Bezerra. Na realidade, ele não encontrou uma escola de médiuns em
parte alguma. A solução encontrada foi fundar ele mesmo a tal escola.
Muitos se opuseram à idéia, mas ele terminou por
instalar a “Escola de Médiuns” no “Centro ”. Foi quando se viu só, pois nem
mesmo os próprios membros da diretoria desta instituição freqüentavam a
escola. Chamou a todos, mas ninguém comparecia.
Contudo, a Doutrina ganhava terreno em outras
áreas. “A Federação inaugurava o seu período áureo, preparando-se para a
projeção formidável que iria ter no futuro”. Instituiu-se o serviço
filantrópico de “Assistência aos Necessitados”, que atraiu muita
gente.
Bezerra continuava esquecido no “Centro”, mas
mesmo assim manteve firme seus propósitos. A situação chegou a um ponto em
que a despesa e os gastos da instituição tornaram-se insustentáveis, e
Bezerra já não podia usar de seus próprios recursos. Convocou por carta
cada um dos membros da diretoria, para buscar a solução do problema.
Ninguém atendeu ao chamado.
Na semana seguinte, convocou-os novamente. Ninguém
veio. Foi à casa de um por um para convocar uma última reunião que fosse.
Nem mesmo assim eles queriam comparecer. Bezerra foi então sozinho procurar
abrigo em outra casa espírita, onde foi bem recebido. Mas a boa acolhida
não durou muito tempo, já que apareceriam novamente as dissensões entre as
correntes de pensamento espírita. O Movimento Espírita carecia de união.
A
Proibição do Espiritismo
O Brasil seguia em frente fazendo sua História. Em
1889, a República foi proclamada. Nosso país não mais seria governado por
um imperador, mas por um presidente eleito pelo voto.
Em outubro de 1890, entrou em vigor o então Novo
Código Civil . A recém proclamada República vivia com receio de conspiração
daqueles contrários ao novo regime e por isso o Código Civil impunha
limites às associações das pessoas, dentre as quais as reuniões espíritas.
Reuniões de qualquer natureza eram denunciadas à polícia sob suspeita de
conspiração.
O Reformador teve sua publicação suspensa; as
casas espíritas chegaram a fechar.
O receio fez com que as diversas organizações
espíritas se unissem e tomassem uma atitude, encabeçadas pela Federação .
No final de 1890, enviaram todas unidas uma “Carta Aberta” ao Ministro da
Justiça e um grupo de representantes ao Governo, que entrou com recursos à
Constituinte.
Na Europa, o Espiritismo vivia um clima muito
voltado à pesquisa dos fenômenos mediúnicos, tendência que chegou também ao
Brasil. Todos os estudos ficaram voltados para o fenômeno , dando uma menor
importância aos princípios morais enfocados pela doutrina codificada por
Kardec. E o Evangelho ficou relegado a um segundo plano.
Dr. Bezerra, “que não podia compreender
Espiritismo sem fé religiosa”, manteve-se no seu trabalho devocional,
totalmente isolado das tendências da moda. Continuava escrevendo os artigos
doutrinários no “País”, ia ao “Centro Ismael ”, e trabalhou até mesmo em um
romance chamado “Lázaro, o Leproso”, publicado em 1892.
Em 1893, a situação ficou crítica. Dr. Bezerra
estava só e desprovido de recursos materiais. Nunca havia se preocupado
muito com suas finanças e assim chegou ao fim de suas reservas. Por sua
vez, a situação política do país estava muito conturbada no final daquele
ano pela Revolta da Armada, e as tropas estavam acampadas nas ruas. Já em
setembro, houve o fechamento de todas as sociedades, espíritas ou não. No
Natal do mesmo ano Bezerra encerrou a série de "Estudos
Filosóficos" que vinha publicando no "O Paiz".
Reconstruindo
o Movimento Espírita
Em 1894, apesar das divergências, as diferentes
correntes restauraram a Federação, e em seguida, retomaram a publicação do
Reformador. As novas diretrizes tencionavam alcançar o meio termo entre Fé
e Ciência , Amor e Razão ; mas as lutas entre os irmãos espíritas
continuavam.
Com as desavenças, Dias da Cruz, o então
presidente da Federação, deixou o cargo. Em 1895, o presidente seguinte,
Júlio Leal , também o deixou. Restaram o cargo vago e a dúvida sobre quem
convocar para ocupar a presidência.
O único nome que surgiu como consenso foi o de
Bezerra de Menezes, e, em julho de 1895, um grupo de membros da diretoria
da Federação bateu à sua porta. Bezerra estava cansado, doente, abatido
pela dissensão entre os irmãos espíritas; apesar de todos os argumentos
apresentados, não aceitou o convite. “Com a perspectiva de poder conciliar
a grande família espírita em torno do ideal cristão, o venerando ancião
prometeu pensar”.
No dia seguinte, foi como sempre à sessão das
sextas-feiras do Grupo Ismael , onde dirigia os trabalhos. Abriu os
trabalhos, mas parecia aflito, com a cabeça entre as mãos. Depois da prece
de abertura, feita por Bittencourt Sampaio, permaneceu na mesma posição.
Quando por fim se levantou, estava transtornado e ficou assim durante a
primeira etapa dos trabalhos, que consistia do recebimento de mensagens
psicografadas. No momento da explanação dos temas evangélicos, Bezerra
falou visivelmente emocionado das desavenças no Movimento Espírita e sobre
o convite que havia recebido. Confessou-se fraco para assumir a posição
àquela altura dos acontecimentos.
Terminou a explanação pedindo auxílio à
Espiritualidade e prometeu seguir o que lhe fosse indicado. Pouco depois, o
espírito Agostinho manifestou-se pelo médium Frederico Júnior, o mesmo
médium que anos antes havia sido instrumento de Allan Kardec (Espírito)
para ditar as “Instruções de Allan Kardec aos Espíritas do Brasil ”.
Agostinho instruiu que Bezerra tomasse o cargo da presidência e se pusesse
como elemento conciliador capaz de unir e erguer a família espírita,
prometendo auxiliá-lo em mais esta tarefa. Naquela mesma noite Bezerra de
Menezes anunciou aceitar o cargo, permanecendo presidente até 1900, quando
voltou a pátria espiritual.
Desencarne
Em janeiro de 1900, Dr. Bezerra sofreu violento
derrame cerebral, que o prostrou em uma cama. Durante três meses Adolfo
Bezerra de Menezes Cavalcanti agonizou sem poder falar ou se movimentar. Só
os olhos ainda se moviam. A notícia correu a cidade e causou verdadeira
peregrinação à casa do médico, no subúrbio modesto. Assim como acontecia no
seu consultório, pobres e ricos misturaram-se em sua casa para visitar o
doente.
A cena era singular: cada pessoa entrava uma a uma
no quarto onde estava Bezerra, sentava-se em uma cadeira, não falava nada,—
já que ele não poderia responder — ficava alguns minutos e saía comovida
pelo olhar que Bezerra lhe dirigia. A procissão seguiu-se dia e
noite.
No dia 11 de abril de 1900, na casa da Rua 24 de
maio, Bezerra passou suavemente para a Vida Maior. A cidade agitou-se com o
seu desencarne, esteve presente no sepultamento do Médico dos Pobres e
prestou-lhe homenagens.
Na Espiritualidade, Bezerra foi recebido pelas
hostes do bem com louros de amor. Os anos de trabalho como verdadeiro servo
do Cristo encarnado na terra transformaram-se em luzes para seu espírito,
conferiram-lhe verdadeiro galardão espiritual. “Bezerra desprendeu-se do
orbe, tendo consolidado a sua missão”.
Um
“Causo” do Dr. Bezerra
Digno de registro foi um caso sucedido com o Dr.
Bezerra de Menezes, quando ainda era estudante de Medicina. Ele estava em
sérias dificuldades financeiras, precisando da quantia de cinqüenta mil
réis (antiga moeda brasileira), para pagamento das taxas da Faculdade e
para outros gastos indispensáveis em sua habitação, pois o senhorio, sem
qualquer contemplação, ameaçava despejá-lo.
Desesperado – uma das raras vezes em que Bezerra
se desesperou na vida – e como não fosse incrédulo, ergueu os olhos ao Alto
e apelou a Deus.
Poucos dias após bateram- lhe à porta. Era um moço
simpático e de atitudes polidas que pretendia tratar algumas aulas de
Matemática.
Bezerra recusou, a princípio, alegando ser essa
matéria a que mais detestava, entretanto, o visitante insistiu e por fim,
lembrando- se de sua situação desesperadora, resolveu aceitar.
O moço pretextou então que poderia esbanjar a
mesada recebida do pai, pediu licença para efetuar o pagamento de todas as
aulas adiantadamente. Após alguma relutância, convencido, acedeu. O moço
entregou- lhe então a quantia de cinqüenta mil réis. Combinado o dia e a
hora para o início das aulas, o visitante despediu- se, deixando Bezerra
muito feliz, pois conseguiu assim pagar o aluguel e as taxas da Faculdade.
Procurou livros na biblioteca pública para se preparar na matéria, mas o
rapaz nunca mais apareceu.
No ano de 1894, em face das dissensões reinantes
no seio do Espiritismo brasileiro, alguns confrades, tendo à frente o Dr.
Bittencourt Sampaio, resolveram convidar Bezerra a fim de assumir a
presidência da Federação Espírita Brasileira.
Em vista da relutância dele em assumir aquele
espinhoso encargo, travou- se a seguinte conversação:
Bezerra
– Querem que eu volte para a Federação. Como vocês sabem aquela
velha sociedade está sem presidente e desorientada. Em vez de trabalhos
metódicos sobre Espiritismo ou sobre o Evangelho, vive a discutir teses
bizantinas e a alimentar o espírito de hegemonia.
Bittencourt
Sampaio – O trabalhador da vinha é sempre amparado. A Federação
pode estar errada na sua propaganda doutrinária, mas possui a Assistência
aos Necessitados, que basta por si só para atrair sobre ela as simpatias
dos servos do Senhor.
Bezerra
– De acordo. Mas a Assistência aos Necessitados está adotando
exclusivamente a Homeopatia no tratamento dos enfermos, terapêutica que eu
adoto em meu tratamento pessoal, no de minha família e recomendo aos meus
amigos, sem ser, entretanto, médico homeopata. Isto aliás me tem criado
sérias dificuldades, tornando- me um médico inútil e deslocado que não crê
na medicina oficial e aconselha a dos Espíritos, não tendo assim o direito
de exercer a profissão.
Bittencourt
– E por que não te tornas médico homeopata?
Bezerra
– Não entendo patavinas de Homeopatia. Uso a dos Espíritos e não a
dos médicos.
Nessa altura, o médium Frederico Júnior,
incorporando o Espírito de S. Agostinho, deu um aparte:
S.Agostinho
– Tanto melhor. Ajudar-te-emos com maior facilidade no tratamento
dos nossos irmãos.
Bezerra
– Como, bondoso Espírito? Tu me sugeres viver do Espiritismo?
S.Agostinho
– Não, por certo! Viverás de tua profissão, dando ao teu cliente o
fruto do teu saber humano, para isso estudando Homeopatia como te
aconselhou nosso companheiro Bittencourt. Nós te ajudaremos de outro modo:
Trazendo- te, quando precisares, novos discípulos de Matemática…
Referências
Bibliográficas:
Xavier, Chico; “Brasil, Coração do Mundo, Pátria
do Evangelho”
Acquarone, Francisco; “Bezerra de Menezes o Médico dos Pobres”, Aliança.
Abreu, Canuto; “Bezerra de Menezes”, FEESP.
Soares, Sylvio; “Vida e Obra de Bezerra de
Menezes”, FEB.
Gama, R. “Lindos Casos de Bezerra de Menezes”. São
Paulo, Lake.
Movimento Espírita Kardecista:
http://www.movimentoespirita.hpg.ig.com.br/
Portal do Espírito
http://www.espirito.org.br/portal/biografias/adolfo-bezerra.html
o0o
Da página eletrônica da
Associação Médico Espírita do Brasil:http://www.amebrasil.org.br/html/perfil_bezerra.htm
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