Teles de
Menezes
Foi em meados de 1853
que as primeiras manifestações espiríticas, através das chamadas “mesas
girantes e falantes”, entraram no Brasil. Os singulares fenômenos, que
então empolgavam a América do Norte, a Europa e parte da Ásia,
eclodiram, quase que simultaneamente, na Corte do Rio de Janeiro, no Ceará,
em Pernambuco e na Bahia. Figuras ilustres da nossa Pátria , como o
Marquês de Olinda, os Viscondes de Uberaba e de Monte Alegre, o Barão de
Cairu (Bento da Silva Lisboa), o Conselheiro Barreto Pedroso, o
monsenhor Joaquim Pinto de Campos, o magistrado Dr. Henrique Veloso
de Oliveira, o historiador Alexandre José de Melo Morais, o Dr. Sabino
Olegário Ludgero Pinho, o Prof. Dr. José Maurício Nunes Garcia, os Generais
José Inácio de Abreu de Lima e Pedro Pinto, etc., foram alguns dos homens
notáveis da época interessados na observação e no estudo dos
incipientes fenômenos espíritas, então complementados por assombrosos
diagnósticos e curas de doenças que se obtinham por intermédio de
sonâmbulos , e de cuja veracidade deram testemunho inúmeros políticos,
médicos, e pessoas gradas da sociedade, conforme o noticiário publicado nos
jornais daqueles tempos.
Foram, todavia, as
“mesas girantes” o fenômeno que mais impressionara a letrados e iletrados.
Nos vastos salões senhoriais, cavaleiros e damas de distinta consideração
agrupavam-se em torno de mesas e, colocando os dedos mínimos sobre elas,
ficavam na expectativa de vê-Ias moverem-se, ou bater os pés em respostas
inteligentes às perguntas que se lhes faziam. De quando em vez
registravam-se extraordinárias manifestações do Além, mas só raramente
despertavam reflexões mais sérias entre os assistentes em geral.
A «época heróica das
mesas girantes», assim chamada pelo Dr. J. Grasset, constituiu, em todo o
mundo, o «período de gestação» do Espiritismo. A obra codificadora de Allan
Kardec abriu, em 1857, novos horizontes para a Humanidade. E o Brasil, onde
era considerável a influência francesa, recebia, poucos anos depois, os primeiros
livros da Codificação Kardequiana, aqui se tomando, afinal, conhecimento do
verdadeiro significado dos fatos acima referidos, sobre os quais se havia
levantado toda uma nova doutrina de verdades filosóficas e religiosas.
Na Corte de 1860, um
ilustrado francês, o Prof. Casimir Lieutaud, poeta e contista,
diretor-fundador de um Colégio onde lecionava a língua francesa, autor do
apreciadíssimo «Tratado Completo da Conjugação dos Verbos Franceses,
Regulares e Irregulares» (1859), cuja 25ª edições saiu em 1957, - dava a
público a primeira obra de caráter espírita impressa no Brasil (e quiçá na
América do Sul): «Les temps sont arrivés» «<Os tempos são chegados» ).
Seguiu-se a esta, em
português, a brochura de Allan Kardec intitulada «O Espiritismo na sua mais
simples expressão», traduzida do francês por Alexandre Canu. Três edições
sucessivas, todas impressas em Paris, saíram em 1862, o mesmo ano de
lançamento da I' edição francesa, fato este que chamou a atenção do próprio
Codificador.
Em vários
Estados da União o movimento espírita primário começou a ganhar rumos
mais definidos. Os adeptos, isolados a princípio, puseram-se a formar
grupos íntimos para o estudo das obras kardequianas e para experiências
mediúnicas. Foi principalmente na. classe esclarecida da sociedade que o
Espiritismo fez, aqui, seus primeiros progressos, posto que as obras
fundamentais, por não se acharem ainda traduzidas para o vernáculo, não
podiam ser lidas pelas classes menos instruídas.
Os referidos grupos só
congregavam umas poucas pessoas, geralmente da intimidade familiar, não
dando ensejo, por isso, a maior divulgação das novas doutrinas. Foi, então,
que um venerável vulto baiano, levado, segundo suas próprias palavras,
«por um concurso de circunstâncias inexplicáveis», deu o primeiro passo
para que o povo igualmente recebesse os ensinos consoladores trazidos pelos
Espíritos do Senhor. Referimo-nos a LUIS OLIMPIO TELES DE MENEZES, do qual
passamos a narrar a Vida e Obra.
Vida e Obra
Este valoroso pioneiro
do Espiritismo no Brasil, filho do Oficial de Exército Fernando Luís Teles
de Menezes e de D. Francisca' Umbelina de Figueiredo Menezes, nasceu na
cidade do Salvador, Bahia, aos 26 de Julho de 1825, e desencarnou no Rio de
Janeiro a 16 de Março de 1893.
Bem cedo ainda, resolveu
seguir a carreira militar, inscrevendo-se no curso de Artilharia. Pouco
tempo depois, entretanto, deu novo rumo ao seu espírito empreendedor,
dedicando-se ao magistério particular e às letras. Por vários anos foi
professor de instrução primária e de latim, tendo publicado um compêndio
de «Ortoépia da Língua Portuguesa. ». Interessando-se pela estenografia,
estudou-a sem mestre, e desde logo se revelou hábil nessa arte, sendo
então convidado para exercer a profissão,
muito rara naqueles tempos, na Assembléia Legislativa da Bahia, a cujo
serviço permaneceu cerca de trinta anos. Autodidata por excelência, acumulou
muitos e variados conhecimentos, que lhe granjearam o respeito e a
consideração de inúmeras pessoas altamente colocadas na sociedade de
Salvador.
Em Setembro de
1849, distinto grupo de associados entre os quais se destacava o jovem L.
O. Teles de Menezes, fundou «A Época Literária», jornal de caráter
científico, literário e histórico, com dissertações sobre belas-artes.
Publicada sob os auspícios do Visconde da Pedra Branca, do Conselho de S.
M. o Imperador D. Pedro II e grande protetor das letras pátrias, «A Época
Literária» recebeu o apoio de influentes personalidades da capital baiana,
inclusive do sábio Arcebispo D. Romualdo Antônio de Seixas, que considerou
importante o serviço que o referido órgão prestava e prestaria a
ilustração do País. Do corpo de redação faziam parte José Martins Pereira
de Alencastre, Dr. Manuel Maria do Amaral Sobrinho, José Álvares do
Amaral e Dr. Inácio José da Cunha, tendo estes dois últimos ingressado,
mais tarde, no Espiritismo. Em suas páginas - escreveu o acadêmico Dr.
.Pedro Calmon - colaboraram os melhores espíritos da época, entre eles
Moniz Barreto, Pinheiro de Vasconcelos, Adélia Fonseca, João Gualberto de
Passos, Laurindo José da Silva Rabelo, etc. Teles de Menezes, então com a
idade de 24 anos, já casado, havia um ano, com D. Ana Amélia Xavier de
Menezes, publicou ali a sua.novela - «Os Dois Rivais» e foi, sem dúvida, o
mais entusiasmado do grupo, o verdadeiro dirigente do jornal, escrevendo
substanciosos editoriais, a extravasar seu elevado patriotismo e o
constante amor às boas causas. Apesar dos esforços e do ardor juvenil de
Teles de Menezes, a empresa, tão bem principiada, malogrou ante a
incompreensão quase que geral do público e dos críticos invejosos. Era
menos uma folha literária entre as pouquíssimas então existentes na
Bahia...
Corre o tempo. Na data
de 3 de Maio de 1856 é solenemente instalado em Salvador o (antigo) Instituto
Histórico da Bahia. Congregando em seu seio as mais altas figuras da
inteligência e da cultura baianas, teve como primeiro presidente o
Arcebispo D. Romualdo, Marquês de Santa Cruz. Teles de Menezes é proposto,
em 1857; para sócio efetivo, o mesmo acontecendo com outros homens de alto
nível cultural, entre os quais o seu amigo Dr. Manuel Pinto de Souza
Dantas.
De Julho de 1861
a Maio de 1865, o nosso biografado ocupou o cargo de tesoureiro no
referido Instituto. A seguir, e durante dois anos, foi eleito, para a
Comissão de Fundos e Orçamento. Daí por diante, nada mais conseguimos
apurar.
No último período acima
referido, galgou a presidência do Instituto Histórico o novo Arcebispo da
Bahia, D. Manuel Joaquim da Silveira, cuja Pastoral sobre «os erros
perniciosos do Espiritismo», datada de 16 de Junho de 1867, e dada ao
conhecimento público em 25 de Julho, foi desassombradamente analisada e
comentada por Teles de Menezes, no mês seguinte, numa célebre «Carta»
aberta ao Metropolitano e Primaz do Brasil, «Carta » que teve duas edições
no mesmo ano de lançamento, sendo que a segunda é precedida de um longo
«Prefácio» em que o Autor justifica as doutrinas espíritas no atinente à
preexistência, reencarnação e manifestação dos Espíritos juntando um artigo
favorável publicado no' jornal jesuítico - «La Civiltà Cattolica», de
1857.
Segundo cremos, essa
Pastoral surgiu por causa da propaganda-ostensiva da Doutrina Espírita nas
terras baianas, quer em folhetos, quer nos jornais 'leigos, ressaltando-se
dois acontecimentos que certamente vieram apressar o pronunciamento público
daquele ilustre prelado. Um deles diz respeito ao artigo que Teles de Menezes,
José Álvares do. Amaral e a Dr. Joaquim Carneiro de Campos subscreveram e
inseriram na «Diária da Bahia» de 28 de Setembro de 1865, artigo que refutava
o trabalho do Dr. Déchambre, publicado, havia seis anos, na «Gazette
Médicale», de Paris, e que, nos dias 26 e 27, saíra, em tradução, no.
mesmo. «Diária da Bahia». O artigo-réplica daqueles três impávidos vanguardeiros
ecoou favoravelmente no espírito dos leitores, chegando ao conhecimento do
próprio Allan Kardec, que em sua «Revue Spirite» de Novembro de 1865 expressou,
em torno do fato, a justa satisfação que lhe ia n’alma, projetando-se
assim, pela vez primeira, no cenário espírita mundial, o nome do Brasil.
Outra ocorrência que
motivou a movimentação maior do Clero foi o lançamento, em Salvador, no ano
de 1866, do opúsculo «O Espiritismo - Introdução ao Estudo da Doutrina
Espirítica», impresso pela «Tip de Camila de Lellis Masson & C.». Eram
páginas extraídas e traduzidas por L. O. Teles de Menezes da 13ª edição
francesa de «O Livro dos Espíritos», de Allan Kardec, e havia como
«Apêndice» um estudo de outro autor francês. Antecede essa obra o prefácio
«Lede», em que Teles de Menezes diz do seu júbilo. «de ter sido o
primeiro na Bahia que, fervorosamente, esposou a doutrina espirítica»,
afirmando, adiante, ser a sua Província natal, «metrópoles de todas quantas
grandes idéias surgem no Brasil», a escolhida pela Bondade Divina para ser
a centro donde as idéias espíritas se irradiariam por toda a Nação.
Não obstante a Pastoral
do Arcebispo e a brochura do Padre Juliano José de Miranda, secretária da
Sé Metropolitana, escrita em contestação à «Carta» de Teles de Menezes,
nada impediu que o Espiritismo multiplicasse adeptos na Bahia, aprofundando
raízes nos corações férteis e generosos do povo.
Afora isso, o movimento
desenvolvia-se a olhos vistos nas demais Províncias. Na capital de S.
Paulo, ainda no ano de 1866, era dado a público, pela «Tipografia
Literária», uma outra brochura de propaganda: «O Espiritismo reduzido à sua
mais simples expressão», também de Kardec, sem nome de tradutor. Na Corte
do Rio de Janeiro, Casimir Lieutaud, a quem já nos referimos atrás,
trabalhava ativamente na divulgação dos ideais espíritas. Igualmente em
1866, saía a lume um livrinho de sua autoria: «Legado de um mestre aos seus
discípulos», composto de contos morais, de algumas poesias em francês e de
um excerto de J. J. Rousseau sobre os deveres das moças. Pois bem! o
«'Prefácio» dessa obra era uma bela página extraída e traduzida da 1ª
edição francesa de «O Evangelho segundo o Espiritismo». Fora Lieutaud
grande amigo do Brasil e dos brasileiros e manteve estreito contato com
Teles de Menezes, com quem se correspondia amiúde. Mesmo durante a sua
estada temporária na França, ainda ao tempo de Kardec, o erudito espírita
enviava de Oloron-Sainte-Marie (Baixos Pireneus), ao confrade baiano suas
preciosas colaborações. Retomando ao Rio de Janeiro, foi eleito tesoureiro
da primeira diretoria do «Grupo Confúcio», criado em 1873, inscrevendo-se,
mais tarde, entre os membros fundadores da Federação Espírita Brasileira.
Grupo Familiar do
Espiritismo
Objetivando espalhar por
esses Brasis afora as sementes da Terceira Revelação, o Alto, que a tudo
presidia, escolhera como ponto de irradiação a dadivosa Bahia, onde foram
lançados os alicerces da Nação cristã que hoje somos e da «Pátria do
Evangelho» que haveremos de ser. E é, então, na «Leal e Valorosa Cidade»
do Salvador que Luís Olímpio Teles de Menezes organiza uma sociedade nos
moldes desejáveis, regida por Estatutos que facultavam o ingresso de
quaisquer estudiosos e instituíam o trabalho assistencial nos meios
espíritas.
Fundou-se assim, a 17 de
Setembro de 1865 (1), o «GRUPO FAMILIAR DO ESPIRITISMO», o primeiro e
legítimo agrupamento de espíritas no Brasil, destinado igualmente a
orientar a propaganda e a incentivar a criação de outras sociedades
semelhantes pelo resto do País.
«O dia 17 de Setembro de
1865» - escreveu Teles de Menezes - «marcará uma época feliz em nossa vida,
e o deverá também ser nos fastos do Espiritismo no Brasil. » Às 23,30 horas
desse mesmo dia, os membros do Grupo recém-fundado recebiam assinada por
«Anjo de Deus», a primeira página psicográfica de que se tem notícia na
Bahia, fato este que lhes trouxe inefável felicidade. Dos termos desta e de
outras mensagens posteriores, depreende-se que o Espírito comunicante revelava-se
possuído de elevados dotes morais, embora ainda preso a certos dogmas
católicos, que entremostravam a presença, talvez, de um sacerdote desencarnado
não havia muito.
Em razão de todo esse
conjunto de sucessos pioneiros, é que a Bahia é tida como o «berço do
Espiritismo» em terras brasileiras.
Na presidência do «Grupo
Familiar do Espiritismo», Teles de Menezes distinguiu-se pelo seu ânimo
forte, pela sua cultura e elevação de sentimentos, suportando com destemor
e firmeza dalma o espírito zombeteiro dos incrédulos e materialistas da
terra de Gregório de Matos, bem como o ambiente hostil da religião
dominante, então a Religião do Estado, segundo o art. 19, § 59, da
Constituição do Império.
(1) Veja-se o
"Relatório da Associação Espirítica Brasileira, apresentado em sua sessão
magna, celebrada em 17 de Setembro de 1874, por Luis Olímpio", Bahia,
1874, página 3.
E' exemplo
expressivo das chacotas e chufas, lançadas contra ele e o Espiritismo, os
versos e as curtas e burlescas composições teatrais que a «Bahia
Ilustrada» publicava desde o ano de sua fundação, em 1867. Esse mesmo
jornalzinho de Salvador estampou várias caricaturas depreciativas do
Espiritismo, quase todas grosseiras, ofensivas ou injuriosas. Tudo isso era
feito sem que as autoridades fizessem valer o art. 277 do Código Criminal
do Império, artigo que prescrevia pena para quem abusasse ou zombasse de
qualquer culto estabelecido no Brasil. E não havia como negar o caráter
religioso do Espiritismo já naquela época, caráter reconhecido pelo próprio
Arcebispo da Bahia, D. Manuel Joaquim da Silveira, ao escrever: «o
Espiritismo é essencialmente religioso, ou antes, é um atentado contra a
Religião Católica.
No curioso artigo
intitulado «Seria Castro Alves espírita?», publicado em «O Globo» de
19/8/61, o brilhante homem de letras, crítico e ensaísta baiano, Dr.
Eugênio Gomes, conta que Castro Alves volveu à Bahia justamente em meado
daquele ano de 1867, quando mais adverso era o ambiente para com o
Espiritismo, ali permanecendo até Fevereiro de 1868.
Certamente eram do
conhecimento de Castro Alves, apaixonado discípulo de Vítor Hugo, as
experiências com as «mesas girantes» realizadas na ilha de Jersey. Através
desse processo, o romancista de «Os Miseráveis», juntamente com Augusto
Vacquerie, Sra. Emílio de Girardin e outros vultos da Literatura francesa,
tinham obtido notáveis comunicações do Além. O fato é ue a doutrina dos
Espíritos já influenciava várias produções do genial poeta de «Les
Contemplations», inclusive o seu poema autobiográfico <A Olímpio», traduzido
por Castro Alves.
Chegando à terra natal,
o jovem poeta baiano, que sempre se bateu contra qualquer opressão e que
vibrava com todas as idéias novas, viu «a doutrina de Kardec lutando por um
lugar ao sol, ou melhor, dito, à sombra, o que «já era uma razão para
inspirar-lhe algum interesse e mesmo simpatia. Não estava em si permanecer
indiferente aos perseguidos.. .»
E afirma o Dr. Eugênio
Gomes haver, em dois dos manuscritos do poeta, «indicação positiva de que
essa corrente do espiritualismo o atraiu de qualquer modo». Um deles é
revelado por Afrânio Peixoto na sua introdução a «Os Escravos»; outro é o
fragmento da peça «D. Juan ou a Prole dos Saturnos».
O interessante trabalho
de Eugênio Gomes faz outras curiosas revelações e transcreve um trecho da
carta que Augusto Álvares Guimarães, amigo e cunhado de Castro Alves, a
este respondera, da Bahia, na data de 30 de Junho de 1870, cerca de um ano
antes de o poeta desencarnar:
«Não há nenhuma obra de
Allan Kardec com o nome de Poética do Espiritismo. Foi-me facultada a
consulta em uma Biblioteca Espírita e verei o que te poderá
servir. Mandar-te-ei pelo Gregório que é portador seguro. >
Diante disto, concluiu o
distinto autor de «Prata de Casa>: «O que Castro Alves produziu depois
não deixa transparecer qualquer influxo direto do Espiritismo, mas não
resta dúvida que este o preocupava, talvez apenas literàriamente, em seu
derradeiro ano de existência. >
Se Teles de Menezes
conservou seu espírito acima dos sarcasmos, motejos e diatribes vindos de
fora, o mesmo não aconteceu quando o demônio da vaidade, da inveja e da
intriga se insinuou entre alguns confrades, amargurando-lhe profundamente a
alma sensível, levando-o a dar, mais tarde, a explicação a seguir, não
obstante confessasse a tranqüilidade de sua consciência:
«Imensa, por sem dúvida,
é a distância que me separa do fundador da Doutrina, mas como em outra
ocasião já vos disse (2), tendo sido, por um concurso de circunstâncias
inexplicáveis, levado a ser como que o iniciador das doutrinas espiríticas
nesta terra de Santa Cruz, tenho também, à semelhança do mestre,
experimentado certas antipatias e afastamentos. Causaria, porém,
admiração, e mesmo talvez pasmo, se a causa verdadeira de tais fatos de
muitos fosse conhecida. Em todo caso, os que assim têm procedido é porque
não me perdoam tê-los adivinhado; a esses devem ser aplicadas
as significativas e judiciosas reflexões do mestre: «Se quisessem por
momentos colocar-se no ponto de vista extraterrestre, e ver as coisas um
pouco mais de cima, compreenderiam como é pueril o que tanto os preocupa,
e não se admirariam da pouca importância que a isso liga todo verdadeiro
espírita: é que o Espiritismo abre horizontes tão vastos, que a vida
corpórea, curta e efêmera como é, apaga-se com todas as vaidades e suas pequenas
intrigas diante do infinito da vida espiritual. »
Varão cheio de fé e
inquebrantável dedicação aos labores construtivos na Seara Espírita, Teles
de Menezes não largava as mãos do arado. “Vez por outra, como que a
prevenir os seus sucessores do caminho áspero a ser trilhado, dizia dos
sacrifícios sem conta que ele e os irmãos de ideal vinham arrostando no
desempenhoda árdua missão que o Alto lhes cometera, «árdua e até”
espinhosa, sim, mas irradiante de bem fundadas esperanças», assegurava ele
entre, resignado e confiante.
(2) Em
"Discurso" de 12 de Dezembro de 1873. (N. da Editora)
Se Jesus teve os
doze apóstolos, para o auxiliarem na disseminação da Boa Nova, não faltou
igualmente a Teles de Menezes um seleto grupo de denodados companheiros,
aos quais afetuosamente chamava «Irmãos Espíritas», e que ofereceram desde
o simples apoio moral até o trabalho ativo na Seara. Entre os que mais lhe
foram chegados, merecem aqui lembrados aqueles cujos nomes seguem abaixo,
alguns dos quais foram igualmente destacadas personalidades baianas: Inácio
José da Cunha, doutor em Medicina, substituto (assistente) de Ciências
Acessórias na Faculdade de Medicina da Bahia e lente
catedrático de Física; Dr. Guilherme Pereira Rebelo, «uma das
glórias cientificas e literárias da Província da Bahia» , por muitos
anos Diretor Geral da Instrução Pública em Sergipe, sócio e orador do
Instituto Histórico da Bahia, fundador e diretor do acreditado
Colégio «Pártenon Bahiano»; José Álvares do Amaral, historiador,
"'oficial aposentado da Secretaria do Tesouro Provincial, tendo
exercido cargos de eleição popular e de confiança do Governo; como o de
Delegado de Polícia, colaborador em vários periódicos baianos, v. g. '«A
Marmota»; o Conselheiro de Estado, Dr. Manuel Pinto de Souza Dantas, proeminente
figura nacional, que governou a Bahia na época em que se fundava o «Grupo
Familiar do Espiritismo»; Dr. Álvaro Tibério de Moncorvo e Lima; advogado
inteligente, orador fecundo e hábil, 21º Presidente da
Província da Bahia,
dignitário da Imperial Ordem da Rosa, «um homem de bem na extensão da
palavra», pelo que lhe deram o título de «O Catão Bahiano»; Prof. Manuel
Correia Garcia, erudito e culto educador, político e jornalista, escolhido
pelo Governo para fundar a primeira Escola Normal da Bahia, advogado ilustre
e doutor em Filosofia pela Universidade de Tubinga (Alemanha), Principal
fundador do antigo Instituto Histórico da Bahia ali sempre reeleito 1º
secretário; o Visconde de Passe s (Francisco Antônio da Rocha Pita e
Argolo), comendador, da Ordem, da Rosa, tenente-coronel da
famosa Guarda Nacional, com relevantes serviços no imperial
Instituto Agrícola da Bahia, e cujo pai, o Conde de Passé, reuniu a
maior fortuna do seu tempo em território brasileiro; o Barão de Sauípe, proprietário
de terras no Município de Alagoinhas (Ba), figura bem conceituada; José
Antônio de Freitas, doutor em Medicina, lente catedrático "da
Faculdade da Bahia, agraciado com o título de Conselheiro do Imperador;
:Dr. ,Joaquim Carneiro de Campos, bacharel em Ciências
Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Pernambuco; 'Manuel Teixeira
Soares, brilhante advogado em Salvador; Zacarias Nunes da Silva Freire,
professor primário em diversas cidades baianas, cultivou as letras,
deixando várias, e apreciadas obras; Joaquim Batista Imburana, major da
Guarda Nacional, veterano da Independência, condecorado com a medalha da
Campanha da Bahia e com a veneranda Ordem da Rosa; Prof. José Francisco
Lopes, lente de Geometria e Mecânica; Professores Aureliano Henrique
Tosto, Marciano Antonio da Silva Oliveira, Francisco Álvares dos Santos,
Gervásio Juvêncio da Conceição; Antônio Gentil Ibirapitanga, professor de
Primeiras Letras ,do Arsenal de Guerra, veterano da Independência e
primeiro mestre particular de Rui Barbosa; os, Farmacêuticos José Martins
dos Santos Pena e Dionísio Rodrigues da Costa; Dr. EIoy Moniz da Silva,
distinto médico Bahiano; Conselheiro (futuro barão) Francisco Xavier de
Pinto Lima, político, magistrado e administrador, com significativos
serviços prestados à Pátria; Dr. Alexandre José de Melo Morais, respeitado
médico homeopata, escritor e historiador de grande nomeada; etc., etc.
Foi o «Grupo Familiar do
Espiritismo», composto de «poucos, muito poucos homens, mas de firme convicção,
de inabalável crença e animados da melhor vontade», o primeiro núcleo
espírita regularmente constituído com a decidida e heróica tarefa -
podemos assim dizer - de abrir caminho, entre a gente brasileira, às novas
verdades trazidas ao mundo pelos emissários do Senhor.
Por quase um decênio o
«Grupo Familial do Espiritismo» desempenhou, com louros e louvores, sua missão
na Bahia, até que lhe viesse continuar a obra a «Associação Espirítica
Brasileira», como veremos adiante.
Com largos e benéficos
reflexos em várias outras Províncias, do Império, o «Grupo» de Teles de
Menezes representará sempre marco inicial do movimento espírita em
nossas terras.
«Eco d' Além Túmulo»
A 8 de Março de'1869, no
«Grêmio dos Estudos Espiríticos na Bahia» , Luís O!ímpio, anunciava aos confrades
ali reunidos que em breve sairia a lume o primeiro número de um
jornal «que se consagraria esclarecia ele - exclusivamente aos interesses
da Doutrina» .
Nessa memorável noite,
sua voz ecoou no coração dos companheiros que o escutavam, que não
regatearam em contribuir monetariamente para a manutenção do órgão em vias
de aparecer. Eram eles o Dr. Joaquim Carneiro de Campos, o Dr. Inácio José
da Cunha, o Prof. José Francisco Lopes, o advogado Dr. Manuel Correa
Garcia, os farmacêuticos José Martins Pena e José Martins dos Santos Pena,
e o professor Aureliano Henrique Tosta.
Eis um trecho do
discurso proferido por Luís Olimpio, e que foi publicado no jornal em
questão, em Setembro de 1869:
«Meus respeitáveis
Irmãos Espíritas,
A idéia espirítica no
curto espaço de três anos e meio, que há decorrido de sua manifestação entre
nós, tem-se difundido com rapidez verdadeiramente providencial, não sem
obstáculos, antes, sim, com sacrifício da parte daqueles que esposaram essa
idéia de regeneração social. Contudo, disseminada e ainda sem corpo, longe
está ela de poder, desde já, converter-se na crença que mais tarde, com o
favor de Deus, há de imprimir impulso e direção ao elemento de civilização
e de perfectibilidade da sociedade humana, porque tudo nos diz que ela é o
único móvel que poderá levar a efeito esse desideratum de todo coração
generoso que, sinceramente, palpita com os sentimentos da verdadeira
caridade.
«A nós que nos achamos
hoje reunidos, constituindo, naturalmente, o Grêmio dos Estudos Espiríticos
na Bahia, e a quem certa vocação do Alto cometeu o empenho desta árdua
missão, árdua e até espinhosa, sim, mas irradiante de bem fundadas
esperanças, incumbe, pelos meios que de mister é serem empregados, propagar
essa crença regeneradora e cristã, fazendo-a chegar, indistintamente, a
todos os homens; e o meio material que a Providência sabiamente nos oferece
para levar, ràpidamente, a palavra da verdade à inteligência e ao coração
de todos os homens, é a - Imprensa.»
«De há muito era por
todos nós sentida a necessidade de possuir-se uma publicação regular para
consecução desse fim, preenchendo todas as condições necessárias à
propagação da salutar crença espirítica. Os elementos estavam lançados, e
esta é a ocasião mais azada de invocar o vosso concurso e o vosso apoio
para a execução e próspero resultado deste empenho. »
Embora os «formidáveis
embaraços que os maus Espíritos, sempre em campo, para provação do bem,
procuraram opor à realização dessa idéia» (3), o dinamismo e o amor à
Causa revelados por Olímpio Teles conseguiram vencer todos os obstáculos.
Em Julho de 1869, três meses após a desencarnação de Allan Kardec, o
primeiro periódico espírita finalmente aparecia
no Brasil: «O Eco d'
Além-Túmulo», com o subtítulo «Monitor do Espiritismo no Brasil», cuja
publicação se fazia bimestralmente e que era impresso na Tipografia do
«Diário da Bahia».
A «Sociedade Anônima do
Espiritismo», de Paris, que então dirigia a conceituada «Revue Spirite»,
agradece epistolarmente a Teles de Menezes, por seu secretário geral A.
Desliens, a remessa do primeiro número do «Eco», enaltecendo a coragem de
tão abnegados espíritas do outro lado do Atlântico, elogiando sobremaneira
o novo órgão de difusão da Doutrina, de 50 e poucas páginas.
Na seção «Bibliographie»
da «Revue Spirite» é registrado em Outubro de 1869 «O Eco d'Além-Túmulo»,
c, em Novembro do mesmo ano, extensa apreciação elogiosa, ocupando 4
páginas, é feita sobre a nova revista, com a citação de longo artigo
extraído do «Eco» e vertido para o francês, sendo, além do mais,
felicitado o Diretor por sua corajosa iniciativa.
(3) Discurso lido na
"Associação Espirítica Brasileira" na sessão geral de 12 de
Dezembro de 1873, por Luis Olimpio. Bahia, 1874.
Transcreveremos, mais
pela alegria que nos suscita o conteúdo, do que por mera curiosidade,
parte da «Introdução», da autoria de Luís Olímpio e publicada no número um
da referida revista baiana:
«Maravilhoso é o
fenômeno da manifestação dos Espíritos, e por toda a parte ei-lo que surge
e se vulgariza!
«Conhecido desde a mais
remota antiguidade, é visto hoje, em pleno século XIX, renovado, e, pela
primeira vez, observado na América Septentrional, nos Estados Unidos, onde
se produziu por movimentos insólitos de objetos diversos, por barulhos,
por pancadas e por embates sobremodo extraordinários!
«Da América, porém,
passa ràpidamente à Europa, e aí, principalmente na França, após curto
período de anos, sai ele do domínio da curiosidade, e entra no vasto campo
da ciência.
«Novas idéias, emanadas
então de milhares de comunicações, obtidas nas revelações dos Espíritos,
que se manifestam, quer espontaneamente, quer por evocação, dão lugar à
confecção de uma doutrina, eminentemente filosófica, a qual no volver de
poucos anos tem circulado por toda a Terra e penetrado todas as nações,
formando em todas elas prosélitos em número tão considerável, que hoje se
contam por milhões.
«Nenhum homem concebeu a
idéia do Espiritismo: nenhum homem, portanto, é seu autor.
«Se os Espíritos se não
tivessem manifestado, espontaneamente, certo que não haveria Espiritismo:
logo é ele uma questão de fato, e não de opinião, e contra o qual não
podem, por certo, prevalecer as denegações da incredulidade.
«A rapidez de sua
propagação prova, exuberantemente, que se trata de uma grande verdade, que,
necessàriamente, há-de triunfar de” todas as oposições e de todos os
sarcasmos humanos; e isso não é difícil de demonstrar-se, se atendermos que
o Espiritismo faz seus adeptos, principalmente, na classe esclarecida da
sociedade. »
«O maravilhoso fenômeno
da comunicação dos Espíritos, e de sua ação no mundo visível, não é mais
uma novidade, está demonstrado ser uma conseqüência das leis imutáveis que
regem os mundos; é um fato que se produz desde o aparecimento do primeiro
homem, e se tem perpetuado em todos os povos, através de todos os tempos,
e sob caracteres diversos, dando o mais cabal testemunho dessa verdade os
arquivos da História, quer sagrada, quer profana, onde se encontram
registrados numerosos fatos de manifestações espiríticas.»
«A ação moralizadora do
Espiritismo demonstra-se, quando consideramos que o egoísmo, essa chaga
cancerosa da Humanidade, originado pelo materialismo, negação formal de
todo o princípio religioso, é profundamente abalado por essa aurora
celestial, que a Infinita Misericórdia do Onipotente se dignou de enviar à
Terra, como precursora, dessa nova e bem-aventurada Era, em que os homens,
melhor compreendendo os seus recíprocos deveres, de boa vontade cumprirão
os salutares preceitos de Jesus, o Divino Salvador.
«E' ainda a aurora
precursora de nova era, porque à sua luz resplandecente vão-se dissipando
as sombras da incredulidade, e pouco e pouco surgindo a fé e a esperança
no coração daqueles que não possuíam tão cândidas virtudes!»
Foi num dos números de
«O Eco d'Além-Túmulo» que Teles de Menezes registrou, com aquele seu
entusiasmo natural, o exemplar que o zeloso funcionário da Fazenda, Júlio
César Leal, lhe oferecera de seu livro «O Espiritismo - Meditações Poéticas
sobre o Mundo invisível, acompanhadas de uma evocação», editado na cidade
de Penedo (Alagoas), com prefácio de 18 de Novembro de 1869. Fora ela a
primeira obra poética de fundo espírita publicada no Brasil. Esse
talentoso bahiano, aplaudido dramaturgo, poeta e romancista, «pena hábil e
bem aparada», como que previu - segundo escreve Pedro Calmon em sua
«História da Literatura Bahiana» - a guerra dos Canudos em seu drama
«Antônio Maciel, o Conselheiro» (1858), e haveria de ser eleito, em 1895,
presidente da Federação Espírita Brasileira.
Infelizmente, «O Eco
d'Além-Túmulo», que mui eficientemente propagava a doutrina espírita,
transcrevendo artigos da «Revue Spirite» e páginas d' «o Livro dos Espíritos»,
teve, à vista das inúmeras dificuldades que logo após surgiram, duração não
muito longa. E o próprio Luís Olímpio quem informa: «Essa publicação
peregrina percorreu o seu primeiro ano, e apenas pôde encetar o segundo,
lutando corajosamente com toda a sorte de oposição e de manejos em larga
escala, sorrateiramente preparados . »
«Associação
Espirítica Brasileira»
Data de 24 de Agosto de
1871, com trinta assinaturas, encabeçadas pela firma de Luís Olímpio Teles
de Menezes, um requerimento ao Vice-Presidente da Província da Bahia, Dr.
Francisco José da Rocha, então Presidente interino, solicitando-lhe se
dignasse autorizar a incorporação da «Sociedade Espírita Brasileira», que
pretendiam estabelecer em Salvador, aprovando-lhe ao mesmo tempo os
Estatutos anexados.
Embora a Constituição do
Império, no seu art. 59, permitisse a coexistência de outras religiões,
desde que tivessem apenas culto doméstico ou particular, em casas para
isso destinadas e sem forma alguma exterior de templo, e embora ainda
estabelecesse (art. 179, § 5°) que ninguém podia ser perseguido por motivo
de religião, uma vez que respeitasse a do Estado e não ofendesse a moral
pública, praticamente impossível era, na época, a aprovação, pelo Governo,
dos Estatutos de sociedade religiosa que não fosse a católica, pois
que, ex-vi do Decreto 2.711 de 19 de Dezembro de 1860, todas
as sociedades religiosas e políticas, e outras, tinham que obter a
aprovação antecipada do Ordinário na parte espiritual.
Como é claro, as
primeiras sociedades espíritas procuraram, então, apresentarem-se como
literárias, beneficentes ou científicas, visto que estas não passavam pela
aprovação do Ordinário. Foi o que fez a «Sociedade Espírita Brasileira»,
declarando em seus Estatutos a sua condição de associação literária e
beneficente. Todavia, isto de nada lhe valeu, conforme veremos, baseados em
manuscritos existentes no Arquivo Público do Estado da Bahia.
O processo a que nos
estamos referindo recebeu pareceres e informações do Provedor da Coroa, do
Chefe de Polícia, do Diretor Geral da Instrução Pública, de um Cônego,
professor de Religião, de um professor de Filosofia, ambos do Liceu
Provincial, e do próprio Arcebispo D. Manuel Joaquim da Silveira, Conde de
São Salvador.
Como é compreensível, o
Clero se opôs tenazmente à nova pretensão dos espíritas baianos, afirmando
que o Espiritismo era “um atentado formal contra a verdade católica», e que
<uma sociedade, cuja doutrina tem por fim contrariar a Religião do
Estado é contra o mesmo Estado» (!).
Diante, principalmente,
dos pareceres do Arcebispo e dos Professores, inteiramente contrários à
aprovação dos Estatutos da «Sociedade Espírita Brasileira», e levando em
conta o apoio a eles dado pelo Diretor Geral da Instrução Pública, que
frisava ser a Religião Católica a única «estabelecida e garantida pela
Constituição do Estado, respeitada por todos os poderes, considerada a
mais perfeita, a única verdadeira por seus dogmas», foi o requerimento
indeferido em fins de 1872, após permanecer na Secretaria de quatro
Presidentes sucessivos, conquanto o Procurador da Coroa e o Chefe de
Polícia houvessem exarado, em seus pareceres, que nada obstava a que a
associação em pauta se constituísse «pela maneira projetada .
Desejando os espíritas
baianos organizarem-se em Sociedade com Estatutos aprovados pelo Governo, o
que lhes garantiria certos direitos constitucionais, foi isto interpretado
pelo Clero de maneira- sub-reptícia, capciosa, levantando-se a idéia de que
as Sociedades espíritas queriam agora professar a nova doutrina com a
aprovação do Governo. .
Tudo isso, entretanto,
não impediu que cerca de um ano depois, em 28 de Novembro de 1873, os componentes
do «Grupo Familiar do Espiritismo, a fim de se premunirem contra a
intolerância religiosa, se constituíssem em sociedade científica, com o
nome de «Associação Espirítica Brasileira, regida pela quase totalidade das
disposições estatutárias do referido «Grupo» e que haviam sido também
submetidas à aprovação governamental.
Tomando por base a
doutrina contida em «O livro dos Espíritos e em «O Livro dos Médiuns, ambos
de Allan Kardec, a novel Associação, embora afirmando-se científica, tinha
como fins «o desenvolvimento moral e intelectual do homem nas largas bases
que cria a filosofia espirítica,. e a exemplificação do sublime e celestial
preceito da caridade cristã», salientando-se que uma de suas divisas
proclamava: «Fora da Caridade não há salvação».
Teles de Menezes, que se
havia colocado à frente dessa instituição, foi seu primeiro presidente e,
pouco depois, ganhou o título de presidente honorário. No seu primeiro
relatório aos membros da dita Associação, em 12 de Dezembro de 1873, o
impávido e sereno pioneiro relembra os obstáculos enfrentados pela Nova
Revelação, assim dizendo num trecho do seu discurso:
«Desde que em 1865 o
Espiritismo, essa idéia nova, pronunciou, para o Brasil, sua primeira
palavra, lutas e dificuldades com sanha já desusada foram suscitadas pela
cega e inconseqüente incredulidade dos homens, que”,endurecidos se
obstinam, em fechar os olhos para não ver, em cerrar os ouvidos para não ouvir.
Mas, senhores, como tudo que é providencial)" como tudo que se firma
em princípios' certos, uma força misteriosa tem-no sempre alentado no seu
imperturbável caminhar.»
Ao finalizar seu
relatório, Teles' de Menezes solicitou sua exoneração por motivos
imperiosos que o impediriam, de prestar melhor assistência à Associação,
acrescentando, ainda, que talvez lhe fosse preciso ausentar-se por algum
tempo da Bahia.
Feita nova eleição, o
cargo de presidente recaiu no Dr. Guilherme Pereira Rebelo, «uma das
glórias científicas e literárias da Província da Bahia». Entretanto só
pôde ele presidir a uma sessão, aquela em que tomou posse do cargo"
Insidiosa enfermidade levou-o ao túmulo a 9 de Maio de 1874.
Como a saúde do
Vice-Presidente - Dr. Joaquim Carneiro de Campos não lhe permitisse
assumir a presidência da Associação, "Luís Olímpio, num supremo
esforço de boa vontade, aceitou a direção dos trabalhos, na qualidade de
2º Vice-Presidente. O primeiro cuidado foi preencher a vaga deixada pelo
presidente, elegendo-se a 10 de Julho o Conselheiro Manuel Pinto de Souza
Dantas, que, alegando razões respeitáveis, pediu escusa desse encargo.
Luís Olímpio continuou
no exercício da presidência, aguardando a eleição normal, cuja época se
aproximava. Realizada esta, o Centro-Diretor teve os três primeiros cargos
assim ocupados: Presidente, Dr. Manuel Teixeira Soares; 1º
Vice-Presidente, Dr. Joaquim Carneiro de Campos (reeleito) e 2º
Vice-Presidente, Luís Olímpio Teles de Menezes.
Do Relatório que Luís
Olímpio apresentou à «Associação Espirítica Brasileira», aos 17 de Setembro
de 1874, extraímos vários trechos interessantes, que vão a seguir:
«Os preconceitos,
infelizmente arraigados no ânimo do maior número, têm sido um dos grandes
obstáculos à propagação das salutares e regeneradoras doutrinas da
filosofia espirítica.
«A fiel exposição dessas
doutrinas não está ao alcance das multidões, porque as obras fundamentais
não se acham traduzidas na língua vernácula; entretanto, preciso é aqui
notar o valioso serviço que prestou «O Eco d'Além-Túmulo» - cuja publicação
foi interrompida -, levando a idéia espirítica a todos os pontos do
Brasil, de modo que hoje já se agita ela em todas as províncias, e já
nalgumas se têm formado grupos e sociedades, como no Pará, Maranhão,
Pernambuco e no Rio de Janeiro, onde as idéias espiríticas mais
extensamente têm progredido, graças aos esforços de dois fervorosos
adeptos, o Prof. M. Casimir Lieutaud e a Senhora Viúva Perret
Collard, médium psicógrafo.»
O autor do Relatório
expõe em seguida a importância da vulgarização das obras fundamentais,
revelando que o movimento no Rio «se tem tornado tão pronunciado que a Livraria
Garnier foi autorizada a traduzir em português as importantes obras de
Allan Kardec, e sou informado - conclui ele - de que em breve, sessenta
dias quando muito, sairá à luz «O Livro dos Espíritos», essa obra
fundamental, base da filosofia espirítica».
Em visões proféticas com
relação às claridades que o «Consolador» espalharia em todos os lares e em
todos os corações aflitos, Luís Olímpio expande sua alegria na antevisão
dessa nova era, dizendo:
«Essas novas gerações
verão aparecer o amor e a liberdade, símbolos nobres da regeneração humana;
e então, no meio da crença universal em Deus, as duas imensas chagas, que
tanto corroem a vida social - o egoísmo e o orgulho -, desaparecerão. Essa
feliz transformação será devida ao Espiritismo - operar-se-á pela aceitação
universal de sua filosofia. »
Finalizando, cheio de
sadio entusiasmo, Luís Olímpio faz rápido" histórico do movimento
espírita mundial, declarando que as obras de Kardec penetravam todos os
países, sendo que em dois deles, a Rússia e a - Espanha, já haviam vertido
para suas línguas as cinco obras kardequianas fundamentais do Espiritismo.
Missão cumprida
Diligente paladino dos
ideais espiritistas Teles de Menezes jamais, porém, se excedeu, conservando
sempre uma linguagem nobre e serena nos seus arrazoados doutrinários. Era
sócio de muitas associações espíritas da Europa e mantinha permanentes contactos
epistolares com distintos confrades, daqui e dalém-mar. Colaborou no
«Diário da Bahia», «o primeiro órgão da imprensa brasileira que acolheu em
suas colunas artigos em favor do Espiritismo», no «Jornal da Bahia»,
no «O Interesse Público» e em outros periódicos da cidade do Salvador.
Exerceu as funções de Oficial da Biblioteca Pública da Bahia e reformou-se
como tenente-coronel do Estado-Maior do Comando Superior da famosa Guarda
Nacional, que teve papel saliente no Império. Era, ainda, sócio honorário
correspondente da Sociedade Magnética da Itália e membro do ilustrado corpo
social do Conservatório Dramático da Bahia.
Cumprida a sua missão
dentro do Espiritismo, de arrojado bandeirante da Doutrina dos Espíritos
nas plagas de Santa Cruz, Teles de Menezes rumou para o Rio de Janeiro,
onde fixou residência, passando, pouco depois, por volta de 1879, a fazer
parte da distinta e culta corporação taquigráfica do Senado do Império,
então sob a direção do esclarecido chefe da 1ª Secção da Diretoria Geral
dos Correios, Sr. Joaquim. Francisco Lopes Anjo, que prestou relevantes
serviços ao País, tendo recebido várias condecorações.
No desejo de facilitar o
estudo e a prática da estenografia no Brasil, onde eram raros os que
realmente a conheciam, Teles de Menezes fez editar no Rio de Janeiro, em
1885, o seu «Manual de Estenografia Brasiliense», com estampas
litografadas, «fruto da experiência de longos anos» e do estudo
comparativo de alguns métodos estenográficos publicados na Europa. Teles de
Menezes dedica a obra ao velho amigo Senador Manuel Pinto de Souza Dantas,
«em testemunho de respeitosa admiração, estima e reconhecimento».
Abre-se o mencionado
«Manual» com uma extensa introdução do Autor, escrita em Dezembro de 1884,
em que se mostram as vantagens da estenografia, historiando-se, após, o
movimento progressivo desta arte no mundo e particularmente no Brasil onde,
segundo ele, talvez não houvesse vinte brasileiros que realmente a
conhecessem, fato que o entristecia.
Diz ele, a seguir, da
experiência que acumulou em trinta anos de assídua prática na Assembléia
Legislativa da Bahia e em já seis anos no Senado do Império. Como fruto
desta longa experiência e do estudo comparativo de alguns métodos de
estenografia publicados na Europa, ele resolveu contribuir com um sistema
próprio que, facilitando ainda mais o estudo e a prática da estenografia,
despertasse nos brasileiros o desejo de aprendê-Ia e usá-la. Na segunda
parte do livro vem então minuciosamente exposto o seu sistema, com exercícios
demonstrativos, sistema que ele particularmente passou a adotar.
Além dos vários
trabalhos que publicou, e que já registramos, deixou inéditos, ao
desencarnar, grande número de outros.
A sua contribuição, em
toda a parte, foi natural e despretensiosa, despida de razões que
incluíssem vaidade ou inveja, movendo-o Unicamente o desejo sincero de
trabalhar pelo bem e pela felicidade do próximo e de nossa Pátria.
Segundo apuramos, Teles
de Menezes só pôde trabalhar no Senado até mais ou menos 1892. A idade e uma
nefrite crônica afastaram-no do serviço que lhe dava o pão material. O
dirigente da secção taquigráfica daquela Casa legislativa, o Sr. Antônio
Luís Caetano da Silva, em reconhecimento à dedicação do ex-taquígrafo,
garantiu-lhe espontaneamente, num gesto de altruísmo, uma pensão que
ajudava em algo o velho casal Menezes, constituído por ele e pela segunda
esposa, a Sra. Elisa Pereira de Figueiredo Menezes.
Poucos anos de vida
terrena restavam a Olímpio Teles e estes poucos ele os passou sob longos e dolorosos
padecimentos causados pela nefrite, e que somente tiveram fim às 22 horas e
40 minutos do dia 16 de Março de 1893 (4). Neste dia e a esta hora, à rua
Barão de São Felix, n. 165, com 68 anos, desatava ele o Espírito às
claridades do Além-mundo, onde afinal iria receber o prêmio aos seus
laboriosos esforços.
Desencarnou em pobreza
extrema, sendo o seu enterro feito no Cemitério de S. Francisco Xavier a
expensas de dois colegas taquígrafos, que lhe prestaram «os melhores
serviços de amizade» (4).
«Reformador» de 1º de
Abril de 1893, num necrológio do valoroso extinto, terminava com as
seguintes palavras:
«Era um caráter digno de
todo o apreço pela sua cultura e elevação de sentimentos, apurados por uma
longa série de infortúnios que soube sempre suportar com honra e grandeza
d'alma.»
Jornais do Rio e da
Bahia, como o «Jornal do Commercio» e o «Diário da Bahia», recordaram-lhe
a vida e a obra em sucintos necrológios.
Reconhecendo o valor do
grande bahiano, três grandes Enciclopédias, a de Maximiano Lemos, a
publicada por W. M. Jackson e a «Grande Enciclopédia Delta-Larousse»,
seguindo o exemplo do «Dicionário Bibliográfico Brasileiro», de Sacramento
Blake, e do «Dicionário Bibliográfico Português», de Inocêncio da Silva,
incluíram em suas páginas uma síntese biográfica de Luis Olímpio Teles de
Menezes.
(4)"Diário da
Bahia", 30 de Março de 1893.
O nome e os feitos dessa
figura apostolar de pioneiro, exemplo de tenacidade e fortaleza, conservar-se-ão
indeléveis nos Anais da História do Espiritismo no Brasil.
Homenagens
Em 17 de Setembro de
1965, dois carimbos postais comemorativos, aprovados pelo Departamento dos
Correios e Telégrafos, foram aplicados, nas cidades do Rio de Janeiro e do
Salvador, em homenagem ao fundador do «Grupo Familiar do Espiritismo».
Nesse mesmo mês de Setembro, a Câmara Municipal da Cidade do Salvador fez
inserir na ata dos seus trabalhos «um justo preito de admiração à honrada
memória do ilustrado e distinto Professor Luís Olímpio Teles de Menezes».
Quase um ano depois, os
representantes do grande povo da capital bahiana homenagearam, pela segunda
vez, aquele que foi venerável pioneiro espírita nas terras brasileiras. A
4 de Dezembro de 1966, procedeu-se na cidade do Salvador (Bahia), às 15
horas, à inauguração da placa nominativa da Rua Professor Teles de
Menezes, dando-se, assim, cumprimento à Lei número 1886166, sancionada
pelo Sr. Prefeito.
Fonte: Livro “Grandes
Espíritas do Brasil” Autor Zeus Wantuil
Digitado por Wlamir da
Silva Pires
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